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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira

por Tatiana Oliveira Siciliano

Doutoranda PPGAS/MN/UFRJ

omo o próprio título sugere, O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira. Um estudo de carreira e socialização trata, principalmente, do processo de interação social e aprendizado na carreira de diplomata. Os indivíduos não se tornam diplomatas quando aprovados no concorrido Concurso de Admissão do Instituto Rio Branco, mas aprendem a sê-lo através de um longo processo de socialização, transformação subjetiva e formação profissional, no qual a vivência com professores e colegas nos primeiros anos de Instituto Rio Branco – no Programa de Formação e Aperfeiçoamento, Primeira Fase – é capital.

Este livro é o resultado, quase na íntegra, da dissertação de mestrado, então intitulada Jovens colegas: um estudo de carreira e socialização no Instituto Rio Branco, defendida em 1999, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, por Cristina Patriota de Moura, hoje professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). O "mundo da diplomacia" entrelaça-se à trajetória da autora, ela própria neta, filha e sobrinha de diplomatas, e o seu interesse em "observar o familiar" com um olhar antropológico acompanha-a desde sua monografia de graduação em antropologia na UnB, cujo foco eram as identidades dos filhos de diplomatas.

Quando da defesa de Cristina de Moura, a carreira diplomática quase não era investigada academicamente. Há dez anos, época em que realizou seu trabalho de campo, o único estudo disponível, com o qual inclusive a autora dialogou bastante, era a dissertação de mestrado de Zairo Borges Cheibub, Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização no Itamaraty, defendida em 1984, no IUPERJ. Atualmente, como a própria autora assinala na "Apresentação" do livro, o quadro vem mudando: cresceu tanto o interesse pela diplomacia como profissão como o número de pesquisas acadêmicas sobre o tema.

Outra contribuição do trabalho de Cristina Moura é o modo como ela se beneficia da leitura dos "estudos sobre carreira" de autores ligados à Escola de Chicago – como Everett Hughes, Erving Goffman e Howard Becker, as principais referências teóricas sobre o assunto – em sua abordagem sobre a construção da carreira dos jovens diplomatas pesquisados. A carreira é aqui entendida como um ciclo, um fluxo, um processo, no qual ator, instituição e acontecimentos encontram-se inevitavelmente imbricados. Assim, tornar-se um diplomata não é uma "conformação" aos preceitos do Instituto Rio Branco (IRBr), mas uma permanente "negociação da realidade", nos termos de Schutz. Naturalmente, a diplomacia apresenta peculiaridades, é um "campo" formal e hierárquico com fortes características institucionalizantes, cujo acesso à profissão e o seu controle se dão, via burocracia do Estado nacional, através do Ministério das Relações Exteriores.

Para exercer a profissão é preciso, primeiro, ser aprovado no concurso do IRBr; a partir de então, o "neófito" passará a constar do quadro funcional do Ministério das Relações Exteriores como terceiro secretário, o primeiro estágio das seis fases que estruturam a carreira diplomática. Como observa a autora, tal situação deve ser percebida não como um sistema predeterminado, mas como, na acepção de Gilberto Velho, um "campo de possibilidades" no qual os atores constantemente (re)elaboram seus "projetos" a partir de suas experiências e da interação com seus "pares" e "superiores".

A pesquisa de campo, ampla e minuciosa, merece destaque especialmente por se tratar de uma dissertação de mestrado, cujo tempo para a sua consecução é exíguo. A fim de entender e descrever não só o processo de incorporação do ethos profissional, mas também a "visão de mundo" compartilhada pelos jovens diplomatas, a autora recorreu a diversas fontes de informação, tanto primárias quanto secundárias. Fez um ano de observação participante dentro do Instituto Rio Branco, em Brasília, assistindo a várias aulas no PROFA-I junto com os diplomatas recém-aprovados na casa, conversou informalmente nos corredores com alunos e professores, além de assistir a cerimônias oficiais e formais como a do "Dia do Diplomata".

A sua observação não se restringiu, todavia, ao Itamaraty, pois freqüentou também um curso, no Rio de Janeiro, que preparava candidatos para o concurso, visando investigar este "momento traumático" de que tanto os diplomatas falavam. Além de conversas informais, usou entrevistas estruturadas e aplicou 39 questionários junto aos alunos do IRBr com o intuito de levantar as principais tendências e os perfis das turmas. Os arquivos e os currículos formais do IRBr, assim como os trabalhos acadêmicos disponíveis, constituíram as demais fontes de informações consultadas.

Por perceber a carreira do diplomata como uma trajetória, a autora mostra que ela se inicia antes da admissão do candidato ao IRBr. O "projeto" de tornar-se diplomata começa a se configurar, para alguns, ainda no Ensino Fundamental ou Médio; para outros, um pouco mais tarde, ou após o exercício de outra profissão. Em todos os casos, contudo, é um processo longo, no qual são investidos tempo, esforços físicos e mentais e recursos financeiros. Assim, existem algumas etapas bem delimitadas no aprendizado da carreira diplomática. A primeira é contar com uma boa formação prévia, ou direcionar seus esforços nesse sentido, visto que, para ingressar nos quadros do Ministério das Relações Exteriores, é preciso ter diploma de nível superior reconhecido pelo MEC, ser bem informado, ter bom domínio do inglês e português "impecável". A segunda é preparar-se para as provas do concurso, o que requer um estudo intenso e, por vezes, a freqüência a cursos preparatórios ou a aulas particulares.

Depois de "enfrentar" e vencer a tensão das cinco fases do concurso, o "calouro" inicia o Programa de Formação e Aperfeiçoamento, Primeira Fase (PROFA-I) com duração de dois anos. O primeiro ano está voltado para o desenvolvimento teórico e o segundo, mais centrado nas atividades profissionais, é o período de estágios na Secretaria das Relações Exteriores ou em postos fora do país. Percorrido todo esse caminho e aprovado no PROFA-I, vem a consagração na formatura, ocorrida no "Dia do Diplomata", após a qual o ex-aluno muda de status, transformando-se em "jovem colega" aos olhos de seus superiores.

O "Dia do Diplomata" consiste em um dos rituais mais representativos para a compreensão da "cosmologia" e do "sistema classificatório" do mundo diplomático, por ser composto de várias ações coletivas que visam institucionalizar a diplomacia brasileira e definir o seu papel junto à nação. Cristina Moura argumenta, apoiando-se nos conceitos de Tambiah, que as práticas rituais do "Dia do Diplomata", bem como a crença na sua eficácia, são fundamentais na incorporação do ethos e no compartilhamento da "visão de mundo" dos diplomatas.

Trata-se de uma cerimônia oficial e anual, cujo ritual é marcado pelos seguintes momentos: chegada do Presidente da República, execução do Hino Nacional, entrega de medalhas e insígnias pelo Presidente, cerimônia de formatura e encerramento com um almoço com o Presidente, no qual estão presentes os formandos. É uma "tradição inventada", nos termos de Hobsbawn, em 1970, ano da inauguração do Palácio do Itamaraty na capital federal e transferência da sede do Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro para Brasília. A escolha do dia 20 de abril é uma homenagem ao nascimento do Barão do Rio Branco, "patrono da diplomacia".

Para os principiantes, o "Dia do Diplomata" é um marco. É quando institucionalmente são considerados diplomatas, não mais alunos do Instituto Rio Branco. Assinala o fim do treinamento e a entrada no dia-a-dia da profissão. Além de ser um momento especial, de distinção, ele oferece a oportunidade de, ao final das comemorações, os jovens diplomatas compartilharem um almoço com o chefe da nação e conversarem informalmente com os "chefes da casa".

A fase do treinamento, experimentada no PROFA-I, é fundamental na "metamorfose" de neófito à diplomata de carreira. É nesse período que o ethos diplomático é incorporado, uma vez que no seu decorrer o aluno "deixa de ser quem era" e passa a fazer parte da instituição. E, para isso, é preciso aprender os códigos que não são ensinados nos livros, como o conhecimento das regras de etiqueta e dos protocolos, o uso formal da linguagem, o domínio da hexis corporal e a adequação do vestuário. Ao interagirem com os colegas de turma, professores e diplomatas hierarquicamente superiores, os alunos absorvem muito mais do que conceitos teóricos, construindo um sentimento de pertencimento institucional, uma adesão ao status diplomático que lhes permite ver como "naturais" os processos formais da "casa".

Cristina Moura mostra que optar pela carreira diplomática transcende à escolha de uma profissão, representando uma aderência a um estilo de vida, ao "espírito" de uma corporação, o que inclui novas responsabilidades, privilégios e deveres extensivos à família nuclear, existente ou a ser formada. Daí a importância do fato, para ser bem-sucedido, de que se escolha um cônjuge à altura dos requisitos profissionais: sociável, sofisticado e com boa escolaridade, além de flexível, uma vez que deverá aceitar seguir o(a) companheiro(a) nas constantes transferências de posto inerentes ao ofício, exigências estas que, por vezes, propiciam o casamento "endogâmico" entre diplomatas ou entre diplomata homem e filha de diplomatas. Afinal, nas palavras da autora, "a instituição engloba a família nuclear, definindo seus membros em um sistema classificatório tríplice: diplomata, filho de diplomata e cônjuge de diplomata" (:102).

A leitura do trabalho de Cristina Moura, agora publicado e acessível a um público maior, interessa não somente aos que estudam setores da burocracia do Estado brasileiro, mas a todos que desejam compreender a complexidade de certas dimensões culturais do país nas quais concepções formais e comportamentos "aristocráticos" convivem, lado a lado, com o "moderno" conceito de "meritocracia". Ademais, o livro certamente agradará a quem se sente atraído por "estudos sobre carreira". Trata-se de uma etnografia bem escrita, que sublinha a heterogeneidade das experiências no processo de construção de uma carreira. Um livro que faz lembrar, por sua vivacidade, o processo de "socialização" dos estudantes de medicina descritos por Howard Becker em Boys in white. Student culture in medical school.

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

planejamento de estudos

por Gabriel Steinabach

"Ao longo de 3 ou 4 anos (11/2003 - 07/2007), eu, 25 anos, preparei um planejamento de estudos de modo a ser aprovado antes dos 30, exatamente no concurso de 2008. Saindo de um patamar comum à formação de muitos brasileiros, aos 21 anos de idade quando comecei, tal planejamento me permitiu ter um bom embasamento da matéria concernente e um ponto de vista individualizado sobre o trajeto de quem tem por meta se tornar diplomata do Brasil pelo Itamaraty. Nessa palestra, falarei sobre a minha experiência, focado no meu planejamento de estudo, nas minhas impressões, bem como os ‘comos’, os obstáculos e os benefícios; enfim, tentarei dar uma visão abrangente de um processo que envolve muitas pessoas e insumos, além do candidato em si."

continue lendo sobre a preparação do Gabriel

domingo, 18 de janeiro de 2009

Remuneração

Classe
1º de julho 2008
1º de julho de 2009
1º de Julho de 2010

Embaixador
R$ 14.511,60
R$ 17.347,00
R$ 18.478,45

Ministro
R$ 14.297,14
R$ 16.841,75
R$ 17.769,29

Conselheiro
R$ 13.612,48
R$ 15.722,32
R$ 16.541,31

1º Secretário
R$ 12.959,33
R$ 14.674,09
R$ 15.395,04

2º Secretário
R$ 12.338,73
R$ 13.698,74
R$ 14.331,13

3º Secretário
R$ 10.906,86
R$ 12.413,03
R$ 12.962,12

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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

10 REGRAS MODERNAS DE DIPLOMACIA

por Paulo Roberto Almeida

Passei minhas férias de verão (setentrional) na companhia de um pequeno livro para o qual minha atenção tinha sido despertada pelo Embaixador Sérgio Bath, aliás sob recomendação inicial do Emb. Seixas Corrêa, atual secretário geral do Itamaraty, ambos apreciadores de velhos manuscritos e de tudo o mais que se refira à história diplomática. Trata-se de um opúsculo hoje démodé (mas provavelmente um utilíssimo manual para meus antecessores do oitocentos), cujo autor, um diplomata monárquico português da segunda metade do século XIX, Frederico Francisco de la Figanière, o intitulou modestamente Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Retirei-o da Biblioteca do Congresso americano, infalível para esse tipo de trouvaille, e passei bons momentos em sua companhia, 120 anos depois de sua publicação original (e, ao que parece, única).

O prazer me foi dado não tanto pelo enunciado, aliás pouco extensivo, das ditas quatro regras de diplomacia – manifestamente desadaptadas à diplomacia do século XXI – mas mais exatamente pelos seus saborosos anexos históricos, uma “colecção de modelos das principaes especies de escriptos diplomaticos”, entre elas cartas da época do tratado de Utrecht (1713), um protesto contra a violação de imunidades no período da Revolução francesa (o pobre enviado português à corte de Luís XVI jogado à prisão, como um reles conspirador aristocrata), além de outros “escriptos” do Congresso de Viena ou relativos ao Brasil imperial. Segundo Figanière, “Dos diversos ramos do serviço público, o diplomático é sem dúvida aquele em que ao agente é concedida maior liberdade no modus operandi” (p. 9), o que, se era correto em sua época de comunicações lentas e precárias, há muito deixou de corresponder à realidade de uma diplomacia cada vez mais enquadrada de perto, não apenas pela Secretaria de Estado – com a qual estamos em contato as 24 horas do dia, praticamente – mas seguida com atenção pela imprensa, pelos grupos de interesse e, agora também, pelas hordas de “anti-globalizadores” conectados às redes internáuticas de uma aldeia decididamente global.

Enfim, quais eram essas regras que apareciam como um imperativo moral, quase que de ordem kantiana, ao colega lusitano de mais de um século atrás? Elas eram o objeto de quatro curtos capítulos de observações e de recomendações a eventuais candidatos à carreira diplomática: I. Agradar; II. Ser leal; III. Antepor a palavra à pena; IV. Ter concisão e ordem no redigir. Como se vê, nada de muito esclarecedor ou propriamente entusiasmante, para a prática atual, a não ser talvez a última das regras, que vinha com uma advertência ainda válida para os tempos que correm: “O estilo prolixo e difuso é um defeito que cumpre evitar nas composições diplomáticas” (p. 70). Dois pontos para nosso antecessor português, pois que ele também achava que, de todos os deveres, o primeiro era o de bem servir a pátria, algo que não custa relembrar atualmente (e de modo permanente).

Deixo de lado as regras relativas a agradar e ser leal (ao seu real senhor, ora pois), mais adequadas talvez à “época das cabeleiras empoadas, dos peitilhos de renda, dos passeios em cadeirinhas, (ou) da pena de pato, aparada entre boas pitadas de rapé”, nas palavras de outro antecessor meu da belle époque, José Manuel Cardoso de Oliveira (in A moderna concepção da diplomacia e do comércio, 1925). A terceira regra, a rigor, também apresenta sua utilidade, uma vez que ainda costumamos tratar oralmente de algum assunto importante, antes de oficializá-lo mediante uma nota diplomática ou um aide-mémoire. Em todo caso, inspirado no exemplo do ilustre representante da diplomacia lusa de tão saudosa memória – ela foi, com toda a sua habilidade no navegar entre os interesses sempre divergentes dos principais poderes europeus, a base de nossa diplomacia imperial, reconhecidamente excelente para os padrões da época, mesmo em escala comparativa com outros países mais avançados economicamente –, resolvi arriscar, igualmente, formular minhas próprias regras modernas de diplomacia, esperando que elas possam ser bem recebidas por meus colegas de profissão mais jovens. Aqui vão elas, em formato reduzido, geralmente mais pensadas em função do ambiente multilateral, que é o comum na vida atual da diplomacia, do que para situações de relações bilaterais.

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.

O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.

Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente: numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiers, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.

Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.

Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconseqüentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.

Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.

A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.

O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado — embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos — mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.

Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporatista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.

Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando um certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporatista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções assignadas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.

A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.